Nota do comitê migrações e deslocamentos da ABA sobre a portaria 600/2019

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A APA divulga a nota do comitê migrações e deslocamentos da ABA sobre a portaria 600/2019 em português, espanhol e inglês.

Nota do Comitê de Migrações e Deslocamentos da Associação Brasileira
de Antropologia sobre a Portaria no.666/2019 do Ministro de Estado da
Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro

Em maio de 2017, após 37 anos, a sociedade brasileira conseguiu
finalmente aprovar uma nova Lei de Migração (Lei 13.445/17), superando
o texto do Estatuto do Estrangeiro (Lei 6.815/80), normativa produzida
no período militar, marcada pela suspeição do estrangeiro e pela defesa
da “segurança nacional”.
O Comitê Migrações e Deslocamentos da Associação Brasileira de
Antropologia vem, de longa data, participando do debate e monitorando a
implementação da nova legislação e zelando por sua consonância com a
constituição brasileira.
Resultado desse trabalho, conseguimos aprovar, num contexto de
sucessivas negociações, uma lei migratória moderna, baseada, na medida
do possível, na defesa de direitos e da mobilidade humana.
Entretanto, no dia 10 de julho de 2019, constatamos, com imensa
preocupação, uma proposta de emenda, incorporada ao Projeto de Lei
1928/2019 do Senado Federal, através da qual o Ministro da Justiça e da
Segurança Pública Sérgio Moro propunha incluir na nova Lei de
Migração quatro novos artigos que, de modo separado e em seu conjunto,
ferem os princípios que nortearam o debate da lei migratória atual e
reinscrevem a intenção de ampliar o controle migratório, observando a
imigração sob a ótica da criminalização das pessoas em mobilidade
A Portaria no 666, de 25 de julho de 2019, publicada hoje no Diário
Oficial da União, assinada pelo mesmo Ministro Sérgio Moro, e que
dispõe “sobre o impedimento de ingresso, a repatriação e a deportação
sumária de pessoa perigosa ou que tenha praticado ato contrário aos
princípios e objetivos dispostos na Constituição”, confirma não serem
infundados os temores do Comitê.
Além de restaurar, atualizar e até extrapolar o malfadado Estatuto do
Estrangeiro, da época da ditadura, a Portaria 666 – ao evocar as “novas
ameaças” estabelecidas pela comunidade internacional, como o
narcotráfico, o terrorismo, o tráfico de pessoas e de ilícitos e até a
pornografia ou exploração sexual infanto/juvenil – trata a priori
migrantes como pessoas perigosas e suspeitas de praticar atos que
contrariam a Constituição Nacional, sujeitas à deportação em função do
enquadramento seja na lei antiterrorista (no. 12.360/2016), ou naquela
referente ao crime organizado (lei no. 12.850/2013).
Dessa forma, extingue o foco em direitos humanos que era o cerne da
Nova Lei de Migração. Fere também a Constituição de 1988, cujo artigo
V explicita que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no
País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade”. Fere ainda as bases de diversos acordos
supranacionais dos quais o Brasil é signatário e que defendem a não
criminalização da pessoa migrante e sua acolhida, buscando impedir
qualquer tipo de detenção por motivos migratórios.
Por representar um atentado ao Estado Democrático, repudiamos
veementemente a portaria 666/2019 e, por essa razão, clamamos por
proteção internacional aos migrantes no e do Brasil.