A APA foi contactada por um Núcleo de Estudantes de Antropologia, num “apelo urgente e sério de uma posição pública de solidariedade da APA face ao que ocorreu dentro da academia com o antropólogo Ghassan Hage que foi punido pelo Instituto Max Planck por mostrar solidariedade com a Palestina e uma antropologia crítica.”
O NEANTRO dirigiu-nos o seguinte texto:
Por um pensamento crítico e solidário
Esta correspondência surge na continuidade do espírito que se viveu no Museu Nacional de História Natural e da Ciência. Foi com apreço que recebemos a intenção colaborativa e de diálogo entre a APA e os estudantes de Antropologia de todo o país.
Tiveram também especial ressonância as caras palavras da presidente da APA, Cristiana Bastos, que alertou para os tempos sombrios que acolheram este dia, com o corrente genocídio do povo palestiniano em Gaza. Esta é também uma questão central para o Núcleo de Estudantes de Antropologia da FCSH e seria um importante ponto de contacto a ser traçado. É neste sentido que tencionamos alertar a APA para um episódio relativo a este momento, no mundo da antropologia.
Recentemente tivemos contacto, através das redes sociais do professor de antropologia Ghassan Hage, com a notícia do seu afastamento unilateral do Instituto Max Planck Society com o qual vinha a trabalhar. Em causa, estariam certos comentários escritos pelo professor nas suas redes sociais, onde denuncia o caráter etno-nacionalista e a violência genocída perpetuada pelo Estado de Israel. Ghassan Hage é um antropólogo de ascendência libanesa, dedicado ao estudo do racismo e colonialismo, particularmente no caso da Austrália. No que toca à questão da Palestina, a primeira declaração após o seu despedimento ter sido tornado público deixa claro a sua posição:
“I have a political ideal that I have always struggled for regarding Israel/Palestine. It is the ideal of a multi-religious society made from Christians, Muslims and Jews living together on that land. My academic writings on that matter, and they are considerable, attests to the way I have always struggled for this ideal. I have criticised both Israelis and Palestinians who work against such a goal. If Israel has copped and continues to cop the biggest criticism it is because its colonial ethno-nationalist project is by far the biggest obstacle towards achieving such aim.”
Em seguimento, várias foram as vozes que se fizeram ouvir em suporte do professor.
Uma carta redigida e assinada por um conjunto de investigadores Judeus Israelitas enfatizou a importância da pesquisa de Hage e afirmou que retratar a sua posição política e crítica em relação a Israel como antissemita não tem fundamento. Destacou também os riscos que a “conflação entre o criticismo de Israel e o antissemitismo” tem para a diáspora judaica pelo mundo e, em particular, na Alemanha.
A American Anthropological Association redigiu também uma carta aberta ao Instituto Max Planck Society onde destaca as implicações dos recentes eventos na liberdade de pesquisa académica, na produção de conhecimento e na livre troca de ideias assim como a importância da tomada de posição:
“Historically, these threats have been most effectively mitigated when scholarly and professional associations like ours have investigated and spoken out against attacks on academic freedom.”
É neste sentido que uma declaração assinada por vários investigadores sociais e antropólogos, partilhada nas redes sociais da revista American Ethnologist, sustenta uma responsabilidade histórica da disciplina da Antropologia:
“In a discipline complicit in long histories of exploitation, we must work to critique and dismantle imperialism and racism in all its forms, including antisemitism, islamophobia and anti-Palestinian racism. This is the case even when the content of our scholarship, and the positions we take as scholars and private persons, conflict with national norms, institutional commitments or even dominant trends in anthropology.”
A proibição e censura que se verifica por toda a Europa, seja de protestos que se manifestam por um cessar-fogo imediato, fim ao genocídio e à ocupação; seja do pensamento crítico, mais do que fazer lembrar outros tempos, apontam para o momento crítico em que vivemos. O Núcleo de Estudantes de Antropologia da FCSH considera de extrema importância a tomada de posição em suporte do colega de profissão Ghassan Hage por parte da APA, em representação da Antropologia portuguesa. Além disto, afirmamos a importância de conduzir a nossa ação em conjunto com as vozes palestinas, em Gaza e por todo o mundo. Dois meses antes do Instituto Max Planck Society despedir o professor Hage, a Max Planck Foundation anunciou que, em resposta ao ataque do Hamas, iria providenciar apoio financeiro no sentido de reforçar a cooperação entre Israel e Alemanha. Dado isto, não poderíamos deixar de salientar a importância de, seguindo os passos da American Anthropological Association, subscrever ao movimento de Boycott, Desinvest, Sanction (BDS) e o seu apelo ao mundo académico:
“It is time for the entirety of the academic world to take urgent action to stop Israel’s genocide in Gaza and its ongoing scholasticide against all Palestinians. If not now, when? We urge all universities, scholars, faculty unions, university departments and academic associations; students, student unions, councils, and organizations; alumni and alumni organizations; to call for an immediate ceasefire and an end to Israel’s genocidal war on Palestinians in Gaza; entry to Gaza of life-saving humanitarian needs, and UN protection for the 2.3 million Palestinian civilians trapped under siege Israeli in Gaza. We call on students, faculty, and alumni to demand that their universities condemn the destruction of Gaza’s two main universities, naming Israel as the perpetrator, and call for an immediate ceasefire.”
Mais uma vez, reafirmamos a apreciação pelos esforços de traçar pontes entre a associação e os estudantes de antropologia. Esperamos que tomem o referido em consideração. Por um pensamento crítico. Por uma Palestina livre.
NEANTRO FCSH
A APA agradece e saúda a tomada de posição dos estudantes, comprometendo-se a divulgar este caso nos seus canais.
Além disso, deixamos aqui os links onde pode ser encontrada a informação sobre o caso acima denunciado, e um pdf para um livro de interesse:
- Redes sociais do Professor Hage: https://twitter.com/anthroprofhage
- Carta aberta da AAA ao Instituto Max Planck para as Ciências Sociais: https://americananthro.org/advocacy-statements/letter-to-max-planck-institute-for-social-anthropology/
- Movimento de Boycott, Desinvest, Sanction (BDS): https://bdsmovement.net/
O colega Leonardo Schiocchet, que trabalha com refugiados palestinianos e pertence ao nucleo internacional da ABA, editou recentemente o livro «PROCESSOS DE PERTENCIMENTO E ORGANIZAÇÃO SOCIAL ENTRE MIGRANTES FORÇADOS ÁRABES», cujos capítulos abordam temáticas relacionadas com comunidades palestinianas em todo o mundo, estado de exceção, resistência cultural e deslocações forçadas. [DESCARREGAR LIVRO]